Tár fala sobre poder e traz melhor atuação de Cate Blanchett

Publicado em 25 de janeiro de 2023

Até os primeiros 15 minutos de “Tár”, há
algo meio incômodo na performance de Cate Blanchett. Ela dá vida a Lydia Tár, a
regente fictícia da mais importante orquestra alemã -ficamos logo sabendo que,
também, a maestrina é uma das poucas pessoas a ter ganhado um Emmy, um Grammy,
um Oscar e um Tony na carreira. Ou seja: é um fenômeno.

Personagens superlativas e de temperamento
imponente não são algo raro na carreira de Blanchett. Ainda assim, há desta vez
algo de extremo, talvez ultra-artificial, na maneira como a australiana compõe
a personagem; ela claramente “superatua”.

Lá vemos ela: Blanchett como a grande Tár, a gênia
musical, dando uma entrevista diante de um público que a idolatra. Ela responde
às perguntas de modo a fazer tudo aquilo um espetáculo, no qual ela deve
atingir a perfeição costumeira. Dá respostas inteligentes, espirituosas.
Exagera e contém gestos e olhares; sua voz é meticulosamente empostada.

A atriz não parece ter medo de soar excessiva na
maneira como reforça o clichê da pessoa poderosa, ícone de uma elite cultural
erudita. E, embora no começo pareça um perfeccionismo vazio, conforme o filme
vai progredindo vemos que Blanchett fez a escolha mais acertada possível para
essa personagem tão complicada. Afinal, performar para os outros se tornou
parte da própria essência de Tár, a regente de origem modesta que criou para si
uma persona de mulher firme, brilhante, de fortes convicções -e que precisa reforçar
em sua própria figura essa mesma mensagem a todo tempo, se quiser se manter no
topo. Ainda mais sendo mulher.

Para manter o poder, aja como os poderosos. Assim,
Tár tem uma série de atitudes eticamente duvidosas –atua pelos bastidores,
favorecendo alguns músicos e prejudicando outros conforme seus interesses. E
tem um fraco por musicistas bonitas em começo de carreira, então as utiliza
como brinquedos sexuais– até aparecer a próxima novidade na orquestra.

Há uma cena fundamental que prenuncia a derrocada
que a maestrina está prestes a enfrentar. Quando ela dá uma aula em Julliard,
ouve de um dos estudantes: “Não curto muito Bach”. Estarrecida, ela
quer saber o motivo de tamanha heresia, e o aluno diz que não consegue apreciar
um compositor que na vida pessoal era misógino. Tár toma isso não só como uma
estupidez tipicamente millennial como também uma afronta a tudo em que ela
acredita em termos de música. Na aula, ela consegue impor sua visão, mas a
insolência do aluno a desestabiliza. Tár não consegue entender a sensibilidade
das novas gerações.

Mais adiante, um relacionamento abusivo que teve
com uma jovem musicista vem a público, e Tár é sumariamente
“cancelada”. De uma hora para a outra, a regente não tem mais a
batuta sobre sua carreira nem sobre a própria vida: seu mundo desmorona.

O cineasta Todd Field mostra uma eficiência quase
inacreditável na direção do longa, sobretudo se levarmos em conta que é seu
primeiro filme em mais de 15 anos -o último havia sido “Pecados
Íntimos”, de 2006. É um trabalho elegante, frio, por vezes um bocado
acadêmico, que prefere sublinhar a grandiloquência da protagonista que a do
próprio diretor -embora sua câmera consiga cenas de complexidade admirável,
como a rodada em Juilliard, brilhantemente coreografada. É um filme feito para
Blanchett, que se entrega com tamanha ferocidade ao papel que consegue a melhor
performance de sua carreira -o que não é pouca coisa.

Em um mundo em que as mulheres lutam com unhas e
dentes para chegar a locais de poder que antes eram apenas reservados a homens,
é de se perguntar o quão legítimo é fazer uma representação feminina
“negativa”, com a protagonista desempenhando um papel tão vilanesco.

Pois “Tár” é exatamente sobre isso: os
perigos do poder -mesmo uma mulher com consciência feminista não está livre de
se perder em meio à sedução de estar no topo. Mas o grande drama da personagem
é que seu tempo parece ter chegado ao fim; até por uma questão geracional, seus
valores e seus métodos, outrora aceitos sem questionamentos, hoje em dia já
enfrentam resistência. A dificuldade de Tár para compreender isso a faz entrar
em uma crise insolúvel.

O filme não toma claramente partido no que diz
respeito às novas gerações estarem certas ou erradas. Mas mostra que há um
conflito –e uma necessidade de compreender que, sim, Bach foi um misógino
desprezível, mas que também foi um gênio da música; precisaremos um dia
encontrar uma maneira de lidar com esses dois dados de forma madura. E que,
sim, Tár agiu muito errado, mas não existiria punição possível que não fosse a
danação completa à qual foi relegada?

TÁR

Onde Nos cinemas

Classificação 12 anos

Elenco Cate Blanchett, Noémie Merlant, Nina Hoss

Direção Todd Field

Avaliação ótimo


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