Que tal um passeio no Parque Soledade?
Written by on 6 de fevereiro de 2023
Entre mausoléus e diversas outras construções
fúnebres, o Cemitério Nossa Senhora da Soledade, em Belém, guarda memórias que
não estão ligadas apenas à morte, mas àquelas geradas também na infância ou
adolescência, em idas ao local com algum familiar para fazer visitas aos entes
que já partiram, ou mesmo para uma oração aos ditos “santos populares”. Com
estilos arquitetônicos diversificados, o futuro Parque Público conta muito
sobre a história da nossa gente.
Da suntuosa Belle Époque do século 19 à
contemporaneidade, o futuro Parque Público pode nos oferecer uma grande
relevância cultural, a partir da riqueza que se dimensiona nesta construção. A
cenógrafa Krishna Silva tem apenas 24 anos, mas carrega consigo memórias de quando
era criança e o pai dela, Manoel da Silva, ligado à área de conservação e
restauro, levava a filha para um passeio no cemitério.
Ela conta o quanto isso formou sua perspectiva
diferenciada sobre aquele lugar. “Visitar o Parque da Soledade é incrível. Moro
no bairro da Campina e o Cemitério da Soledade sempre foi um espaço muito
íntimo, não só pela proximidade, mas por visitá-lo com muita frequência. Nas
minhas andanças com meu pai, ele ia explicando sobre os detalhes das
construções, o significado delas e toda aquela riqueza de história que envolve
este lugar. Tudo isso ficou nas minhas memórias como um passeio divertido”, diz
Krishna.
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Já a mãe dela, a mentora de Yoga, Thelma da Silva,
conhecida como Tunga Vidya, levava a filha para aquele cemitério para explorar
o lugar como espaço de criação artística. “Participei de um espetáculo chamado
‘Nas Entranhas do Soledade’, junto com minha mãe, que exalta esse espaço,
criando um laço afetivo com o Cemitério. Em outro momento, eu fiz um vídeo onde
criei um personagem de uma menina que gosta de passear pelo cemitério da
Soledade. Então, meu afeto com o espaço vem antes da reforma e, hoje, ver o espaço
sendo visitado e valorizado por tantas pessoas, me deixa muito feliz”, ressalta
a cenógrafa.
Depois de adulta, Krishna voltou ao Soledade junto
com um grupo de amigos da faculdade de artes visuais. Esse revistar o passado
trouxe novas memórias. “Foi muito intrigante porque pesquisei o parque, fiz
visitas, conversei com pessoas que eram frequentadoras do cemitério, ouvi o
padre que fazia as orações da capela, vi pessoas fazendo as oferendas, então,
agora com essa reforma, lembrei de tudo e espero que toda a história seja
valorizada porque conheci o antes do Cemitério e o valor que as pessoas
atribuíram a ele. Espero que hoje novas histórias sejam contadas sem esquecer
as antigas”, enfatiza.
“Acompanhar a restauração enquanto frequentadora
desse espaço foi um sentimento de expectativa e curiosidade muito grande.
Estudei um ano do curso de conservação e restauro, eduquei meu olhar sobre os
casarões antigos e o cemitério da Soledade. Hoje curso artes visuais e meu
olhar sobre a arte que se encontra nesse espaço é de encantamento”, conclui
Krishna.
PATRIMÔNIO
A professora Paula Andréa Rodrigues, Doutora em
Comunicação, Linguagem e Cultura, comenta que o Cemitério da Soledade sempre
foi interessante, sobretudo, do ponto de vista do patrimônio. “Tanto que ele
possui tombamento federal desde 1964. Ou seja, é um bem cultural de relevância
para toda a nação. Acontece que, por anos, ele estava esquecido e abandonado”,
critica.
“É preciso abandonar o “preconceito” que a palavra
carrega e ver além de um simples local de enterramento. O Soledade é o registro
precioso de uma época, um lugar de sociabilidade e de devoções, com arquitetura
funerária de grande valor artístico. É preciso desmistificar a morte e apreciar
a beleza e o conhecimento que este cemitério monumental carrega”, pondera Paula
Andréa.
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Ainda de acordo com a professora, o Cemitério da
Soledade não é grande, em comparação aos modelos europeus que o inspiraram, e
pode ser conhecido em sua totalidade em uma única visita. “De acordo com o
interesse do visitante, abre-se um leque de possibilidades. Uns podem preferir
contemplá-lo artisticamente, observando as características do período do
Romantismo, com a arquitetura Neoclássica e Eclética”.
Pelo menos 14 personagens se destacam entre os
demais sepultados do Soledade. São os chamados “santos populares”, uns com
jazigos mais suntuosos, outros menos etilizados e outros ainda, que estão em
processos de restauro. É o que comenta a técnica da Secretaria de Estado de
Cultura (Secult) Sabrina Campos. “O Cemitério da Soledade foi construído em
meio a um período de pandemia de febre amarela e cólera, então, abrigou pessoas
de todas as classes sociais. Ele demarca ainda o período em que a cidade passou
a sepultar seus mortos em cemitério, porque antes os enterramentos eram feitos
em casa ou nas igrejas”.
Ali está sepultado, por exemplo, o corpo do
construtor do Soledade, Joaquim Victorino da Silva. Ele é uma das figuras que
mais são visitadas no espaço. Outros nomes bem conhecidos por lá são: o juiz
Joaquim Ignácio de Almeida, onde são depositadas velas em favor de causas na
justiça; o de Raimundinha Picanço; o do menino José; os dos irmãos gêmeos; e o
da “princesa” Cecília Augusta Chermont. Este último tem até um busto para
eternizar os traços delicados e formosos da menina, que por isso ganhou o título
de princesa.
Paula Andréa comenta que alguns desses personagens
são “figuras públicas com importância histórica para a região”. Como o caso do
mausoléu do General Gurjão, que morreu em decorrência de ferimentos ao combater
na Guerra do Paraguai. “Há ainda alguns ligados aos aspectos sociológicos e
antropológicos, que remetem às devoções populares, a sociabilidade que ali se
desenvolve”, acrescenta.
Uma das novidades do Parque Soledade é a manutenção
de uma das mangueiras existentes no local, onde são depositadas oferendas
atribuídas aos visitantes de religiões de matrizes africanas. “Percebemos que a
manutenção da árvore no lugar onde está representa respeito a estas religiões.
É a forma como eles expressam sua devoção, ofertando alimentos e bebidas aos
seus orixás”, ressalta a técnica Sabrina Campos.
É “é preciso conhecer para valorizar”, arremata
Paula Andréa. “O princípio básico para a preservação e conservação de um bem
está ligado ao conhecimento. Neste ponto, são fundamentais as ações de educação
patrimonial. A abertura dos portões de ferro do Soledade convida as pessoas a
entrarem em um lugar de fruição do conhecimento, com inúmeras possibilidades. Costumo
dizer que precisamos buscar o ‘belo’ e o ‘bem’ em tudo o que fazemos, portanto,
devemos procurar beleza até na morte”, ensina a professora.