Projeto perfura subsolo da Amazônia para estudar clima
Written by on 6 de maio de 2024
Após oito meses no Acre, pesquisadores do Projeto de Perfuração Transamazônica (Trans-Amazon Drilling Project, ou TADP, na sigla em inglês) concluíram a primeira fase de um megaprograma científico internacional que tem o objetivo é estudar a origem e a evolução da amazônia e do clima da América do Sul tropical.
As operações de sondagem com a abertura de um poço no subsolo do município de Rodrigues Alves (626 km de Rio Branco), no norte do Acre, resultaram na coleta de 870 metros de testemunhos contínuos a 923 metros de profundidade, o que é considerado um marco na ciência brasileira. A próxima etapa do TADP ocorre na Ilha do Marajó, no Pará.
“Isso documenta as últimas dezenas de milhões de anos de história da amazônia, que é o período mais importante, pois foi quando se originou a amazônia megabiodiversa como ela é hoje”, diz André Sawakuchi, do IGc (Instituto de Geociências) da USP, e um dos coordenadores da iniciativa. “Recuperamos um material que não tem precedentes para estudar a história da amazônia.”
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Os testemunhos coletados são amostras cilíndricas de sedimentos e rochas sedimentares da era geológica do Cenozoico, possivelmente das épocas do Mioceno, Plioceno e Pleistoceno, que representam os últimos 23 milhões de anos. Os testemunhos foram coletados em secções com até 3 m de comprimento e 8,3 cm de diâmetro.
Os sedimentos acumulados ao longo do tempo estão organizados em camadas, que funcionam como um arquivo do passado da amazônia. São detritos produzidos pelo intemperismo das rochas e pelas plantas e transportados pelos rios até as bacias sedimentares –depressões onde eles se acumulam e se transformam em rochas com o decorrer do tempo.
Essas camadas guardam informações sobre o clima da América do Sul no passado, as antigas florestas, as formações montanhosas e os cursos dos rios que existiram na amazônia.
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Nesses sedimentos, os pesquisadores vão estudar microfósseis, minerais e material orgânico, para reconstituir a diversidade das florestas e como eram o clima, o relevo e os rios do passado. A literatura científica ainda não conseguiu uma explicação única para a origem e a evolução da amazônia, por isso a relevância e originalidade do projeto.
“Em termos de ciência básica, é o progresso do conhecimento humano em entender uma parte única do planeta, porque a amazônia, além de ser a maior e mais diversa floresta tropical do mundo, hospeda 11 dos 20 maiores rios do planeta e representa o coração da monção da América do Sul, que é um dos principais elementos do clima global”, explica Sawakuchi.
PARÁ
A próxima etapa do TADP ocorrerá no município de Bagre, na Ilha do Marajó. A perfuração no Pará está prevista para começar neste mês. O equipamento de sondagem saiu de Rodrigues Alves, no Acre, e chegou à região em 31 de março, após 29 dias e cerca de 3.800 km de trajeto de balsa via rios Juruá, Solimões e Amazonas.
Espera-se atingir até 1.250 m de profundidade no subsolo em um período estimado de três meses. Os pesquisadores acreditam que a espessura dos sedimentos do Pleistoceno e Plioceno seja maior no Marajó. Com isso, será possível reconstituir com mais precisão a história da amazônia nos últimos 5 milhões de anos. “Outra diferença é que o Marajó já está próximo à foz do rio Amazonas e recebe sedimentos de rios que drenam não apenas a amazônia, mas também o cerrado. Portanto, há expectativa de reconstituirmos também a história do cerrado e do clima da região Centro-Oeste”, diz Sawakuchi.
Clebinho Rodrigues (PSD), prefeito de Bagre, comemora a chegada do projeto à cidade. “Já movimentou aqui a economia em diversas áreas e também o imaginário da população, que fica sempre especulando sobre pesquisas em busca de petróleo, ouro e minério, algum outro tipo de riqueza que possa ser encontrada no subsolo.”
Para evitar a disseminação de desinformação e pensando no impacto do projeto na comunidade, o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo do Instituto de Geociências da USP, o GeoHereditas, realizará ações educativas no local.
“Assim como foi feito no Acre, vamos fazer um workshop com os atores sociais mostrando o que é o projeto, fazendo intervenções nas escolas, mostrando a geologia do local e realizando um curso de formação com os professores”, diz Maria da Glória Motta Garcia, coordenadora do GeoHereditas.