Mulheres pobres estão mais expostas a riscos, diz médica

Written by on 5 de julho de 2024

O censo de 2022, o mais recente feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que 51% da população brasileira é composta por mulheres e a 48%, por homens.

Se somos maioria, por que há ainda tanta dificuldade em garantia de direitos fundamentais básicos? A resposta não é nada simples, principalmente se levarmos em conta que, nas últimas eleições para senadores, a maioria dos candidatos eleitos foram homens brancos, casados e com ensino superior completo.

Outra resposta possível pode estar relacionada ao crescimento da chamada “bancada evangélica” na Câmara dos Deputados e em outras esferas políticas. Esse fenômeno reflete diretamente a influência das igrejas e de dogmas religiosos na sociedade. Pela pressão da força conservadora nos centros de poder do país, a mulher pode muitas vezes ter a opinião invalidada, além do que o resultado na prática é de homens “mandando” em seus corpos e escolhas. O caso mais emblemático dessa conjuntura pode ser exemplificado com o Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que ficou conhedico o “PL do aborto”.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o termo “aborto” consiste na interrupção da gestação até 22 semanas ou com feto pesando em torno de 500 gramas. A classificação feita pela entidade internacional abrange aspectos referentes ao tempo, motivação e tipos. A convite do Dol, a médica ginecologista e mastologista Mary Helly Valente, comenta essas classificações e os impactos para a saúde da mulher após a interrupção da gravidez. 

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Segundo ela, nos casos de aborto espontâneo ou feito por intervenção médica, pode haver a necessidade de internação da mulher: “Há necessidade muitas vezes de você internar a paciente. Ela também pode ficar algum tempo afastada do trabalho ou das atividades diárias. Dentre as consequências vai depender exatamente de como foi o desfecho desse aborto. Você tem desde os fatores psicológicos da paciente, complicações, podendo ocorrer alteração física quando a paciente forma uma espécie de aderência dentro da cavidade do útero”, explica.

Mary Helle aborda uma das formas legais de aborto no Brasil, o realizado quando é compravado que está sendo gestacionado um feto anencéfalo, ou seja, quando há má formação do sistema nervoso central antes de terminar o primeiro mês de gestação.

Ela explica que, do ponto de vista da medicina, nestes casos, não há uma obrigação em abortar o feto e os médicos devem orientar suas pacientes: “A nossa obrigação como profissional de saúde é orientar essa paciente que sim, ela pode interromper a gestação até 22 semanas, caso seja um desejo dela, uma vez que esses fetos não são viáveis após o nascimento, já que o que mantém eles vivos ali no útero é exatamente a circulação materna”, detalha.

A médica complementa que, após o nascimento, o feto anencéfalo tem apenas alguns minutos ou, algumas vezes, horas de sobrevida. “Mas cabe a mulher decidir se vai interromper ou não a gravidez até as 22 semanas, como prevê a lei. Caso a paciente opte por manter a gravidez, esse médico deve acompanhá-la até o final da gestação, é o que é recomendado pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia”, diz

Mulheres pretas, pardas e indígenas de baixa renda e baixa escolaridade 

A Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) de 2021 mostra que as mulheres que abortam têm perfis diversos, mas há um perfil socioeconômico mais frequente. Mulheres pretas, pardas e indígenas, como também de menor escolaridade e que têm como renda até um salário mínimo são maioria nessas ocorrências.

Para Mary Valente, as mulheres de classes econômicas mais baixas realmente estão mais expostas a perigos e vulnerabilidade em casos de aborto: “elas são mais vulneráveis a vários aspectos. Desde a assistência médica, a orientação sobre o planejamento familiar, a orientação sobre infecções sexualmente transmissíveis, (ISTs)… Caso venham a ter uma gestação, elas têm, às vezes, dificuldade no acesso à alimentação, de cuidado à saúde, iniciar o pré-natal de forma adequada, precoce, como é orientado”.

A médica chama atenção ainda sobre um problema no Pará: apenas um hospital faz o aborto legal na rede pública, a Santa Casa de Misericórdia. Por ser um Estado de 144 municípios existe grande dificuldades para mulheres de outros municípios virem até a capital receber o tratamento adequado. “A gente tem um Pará muito grande, dimensões continentais, isso muitas vezes também dificulta o acesso dessa mulher”, enfatiza.

Mary Valente comenta o PL do Aborto do ponto de vista profissional. “Sou favorável ao aborto apenas em casos em que são recomendados pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) que incluem: gestação de anencéfalo, produto conceptual em vítima de violência sexual e em risco de vida materno até as 22 semanas de gestação”, opina.

“Quanto a julgamento, não cabe a nós, profissionais da aérea da saúde. Fica a cargo da justiça. Nossa função é acolher a paciente que passa pelo processo do aborto seja induzido ou não”, conclui.

Médicos no centro do debate

Em maio de 2024, representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM), apresentaram a Resolução CFM nº 2.378/2024, que proíbe médicos de realizarem o procedimento da assistolia fetal em gestações com mais de 22 semanas decorrentes de estupro. Esta resolução foi para o centro do debate sobre o PL do aborto, principalmente por ter sido suspensa pelo Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na decisão do ministro, a resolução apresentava indícios de abuso de poder por parte do Conselho, limitando a realização do procedimento médico reconhecido e regulamentado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela lei brasileira. Alexandre de Moraes especificou também que “o Conselho ultrapassou sua competência regulamentar impondo tanto ao profissional de medicina quanto à gestante vítima de um estupro uma restrição de direitos não prevista em lei, capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres”.

Equipe Dol Especiais:

Repórter: Laura VasconcelosCoordenação e edição: Anderson Araújo


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