MPF é acionado para investigar gestão pública na saúde em Ananindeua
Written by Redação on 13 de março de 2025
A administração do prefeito de Ananindeua, Daniel Santos, está no centro de uma série de escândalos relacionados à saúde pública do município, que chegaram a se tornar pauta na imprensa nacional.
Investigações conduzidas pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) revelam indícios de desvios milionários de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), contratos suspeitos envolvendo o Hospital Santa Maria, que era de propriedade de Daniel, e tentativas de calote a outras unidades hospitalares. O caso se agrava com um pedido formal feito pelo MInistério Público do Pará de intervenção estadual na saúde do município, evidenciando a situação de calamidade que se instaurou.
Verbas do SUS e o benefício ao Hospital Santa Maria
Os escândalos na saúde municipal de Ananindeua não são de hoje. Entre 2021 e 2024, a Prefeitura de Ananindeua repassou mais de R$ 71,5 milhões ao Hospital Santa Maria, instituição que pertenceu ao próprio prefeito Daniel Santos até 2022. Os valores foram pagos sem licitação, por meio de um contrato firmado em 2019, quando Santos era deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa). Durante esse período, o hospital teve um crescimento expressivo, contrastando com a falta de repasses adequados a outras unidades de saúde da cidade.
A gestão plena da saúde municipal permite que a Prefeitura de Ananindeua administre os recursos do SUS e justifique os pagamentos diretamente ao Ministério da Saúde. No entanto, enquanto o Santa Maria recebeu milhões, hospitais como o Camilo Salgado e o Anita Gerosa enfrentaram dificuldades financeiras devido a dívidas não quitadas pela prefeitura.
Dívidas e calotes a hospitais locais
No mesmo período, o hospital Camilo Salgado foi desapropriado pela prefeitura em 2021 para a construção do “primeiro hospital público” da cidade. A indenização acordada foi de R$ 14 milhões, mas três anos depois a prefeitura ainda devia R$ 4,3 milhões aos proprietários. Com a ação judicial movida pelos ex-donos do hospital, o município poderia sofrer um prejuízo de mais de R$ 2 milhões em indenizações e custos processuais.
O Anita Gerosa, hospital filantrópico conveniado com a prefeitura, também acumulava uma dívida de R$ 3,7 milhões por serviços prestados entre 2023 e 2024. A inadimplência foi motivo de preocupação sobre a continuidade do atendimento, pois o hospital atendia gestantes, realizava exames e contava com uma Unidade de Cuidados Intensivos (UCI).
Desvios de recursos e investigação do Gaeco
Segundo a linha de denúncias sobre irregularidades no setor da saúde, uma operação deflagrada pelo Gaeco no dia 29 de abril realizou mandados de busca e apreensão em onze endereços, incluindo o Hospital Santa Maria. A investigação apontava para um esquema de desvios de verbas do Instituto de Assistência do Servidor Público do Estado do Pará (Iasep), estimado em R$ 261 milhões, por meio de manipulação e falsificação de auditorias de contas médicas.
Na ocasião, quatro servidores foram afastados, e bens no valor correspondente ao suposto rombo foram bloqueados. O MPPA apura se o prefeito Daniel Santos teve participação direta no esquema, considerando que foi sócio do hospital durante boa parte do período investigado. O prefeito nega envolvimento, alegando que não é formalmente investigado.
A gestão da saúde pública em Ananindeua durante o mandato de Daniel Santos enfrenta uma série de problemas que culminaram em protestos, fechamento de unidades de atendimento e investigações judiciais. A Prefeitura é alvo de graves acusações de irregularidades, desde atrasos em repasses financeiros até suspeitas de desvios milionários de verbas da saúde.
Fechamento do Hospital Anita Gerosa e protestos
A população do município também manifestou o descontentamento e preocupação com a situação da saúde no município. No dia 20 de janeiro, funcionários e moradores de Ananindeua protestaram em frente ao Hospital Anita Gerosa contra a suspensão dos atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A crise financeira da unidade é atribuída aos constantes atrasos nos pagamentos por parte da Prefeitura, que deve ao hospital cerca de R$ 3,4 milhões.
O hospital, que atende até mil pacientes por mês na maternidade, anunciou o encerramento dos principais serviços materno-infantis a partir do dia 26 de janeiro. Com isso, os moradores de Ananindeua ficarão sem acesso à única maternidade que operava 24 horas pelo SUS na cidade.
De acordo com uma fonte do hospital, a crise se agravou devido à falta de reajustes nos repasses federais do SUS, que estão defasados há 20 anos, e ao atraso nos pagamentos da Prefeitura desde 2022.
Falta de atendimento no CAPS III
A crise na saúde também afeta pacientes com transtornos mentais e dependência química. O Centro de Atenção Psicossocial 3 (CAPS III) de Ananindeua enfrenta problemas estruturais e de atendimento. Pacientes e familiares relatam falta de médicos, psicólogos e medicamentos essenciais.
Em entrevista ao DIÁRIO, Danielle Costa, mãe de uma paciente com transtorno de personalidade borderline, afirmou que a espera por consultas pode chegar a seis meses. “Minha filha tentou se cortar novamente, está em crise, e mesmo assim ninguém aqui do CAPS faz algo”, denunciou. O local também sofre com infraestrutura precária, como assentos enferrujados, teto cedendo e sinais de mofo.
Investigação por desvio de R$ 261 milhões
O prefeito Daniel Santos é investigado pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Pará por suposto desvio de R$ 261,3 milhões em verbas da saúde. Segundo as investigações, a fraude envolveu superfaturamento de serviços prestados pelo Hospital Santa Maria ao Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Pará (IASEP). O caso chegou a ser destaque nacional, na revista VEJA.
Os desvios ocorreram entre 2018 e 2022, período em que Daniel ainda era sócio do hospital. Nesse período, o lucro líquido da unidade aumentou 838,56%, passando de R$ 3 milhões para R$ 108,5 milhões. Mesmo após deixar a sociedade do hospital em maio de 2022, o prefeito continuou a influenciar a gestão da unidade, segundo depoimentos colhidos pelo Gaeco.
Em janeiro de 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou um habeas corpus que tentava arquivar a investigação contra Daniel Santos, permitindo que o caso continue a ser apurado no Tribunal de Justiça do Pará.
Pedido de intervenção estadual
Diante do colapso do sistema de saúde de Ananindeua, a Procuradoria Geral de Justiça do Pará ajuizou um pedido de intervenção estadual na Justiça do Estado do Pará (TJPA). O documento assinado pelo Procurador-Geral Cezar Bechara Nader Mattar Junior e pela promotora Ana Maria Magalhães de Carvalho denuncia a “violação sistemática de direitos fundamentais”, especialmente no direito à vida e à saúde.
O pedido destaca que a Prefeitura atrasa repasses financeiros para serviços conveniados do SUS, levando ao fechamento de unidades e sobrecarregando Belém. Há também suspeitas de que a administração municipal esteja favorecendo o Hospital Santa Maria, de propriedade do prefeito até 2022, eliminando a concorrência de outras unidades de saúde na cidade.
As denúncias contra a Prefeitura de Ananindeua revelam um quadro de desorganização e possíveis ilegalidades na administração da saúde pública, enquanto os cidadãos sofrem com o fechamento de hospitais e a falta de atendimento adequado, as investigações continuam e podem levar a mudanças significativas na gestão municipal.
O DOL procurou o Ministério Público Federal para saber o posicionamento do MPF sobre as denúncias de desvio de recursos do SUS, para saber se há alguma investigação sobre o caso em andamento ou alguma denúncia em análise, e aguarda posicionamento.