Marvel reinventa ‘Pantera Negra’ com pretas no comando
Written by on 9 de novembro de 2022
Foi difícil adivinhar o que seria feito com o Pantera Negra
no cinema depois da morte de Chadwick Boseman, que interpretava o personagem
desde 2016. A sequência do seu primeiro filme solo já vinha sendo preparada
pela Marvel quando o ator morreu por causa de um câncer de cólon em 2020,
fazendo a produtora mudar os rumos da história para seguir sem ele.
Trocar o astro por outro intérprete poderia parecer
desrespeitoso, recriar suas feições digitalmente seria caro e desistir do
personagem causaria um prejuízo aos cofres da Marvel, que lucrou mais de R$ 1
bilhão com o primeiro longa. O jeito foi matar o herói na ficção também. Em
“Pantera Negra: Wakanda para Sempre”, que estreia nesta semana, o
personagem é enterrado por seu povo, e as mulheres que o rodeavam ganham
protagonismo.
Na trama, após o velório de T’Challa, o Pantera Negra, sua
mãe Ramonda assume o comando do país Wakanda. Ao lado da general Okoye e de sua
filha Shuri, ela tenta proteger a nação de potências mundiais que se interessam
pelo tal vibranium, um metal preciosíssimo que só existe naquele lugar. É
quando seres do fundo do mar, liderados pelo poderoso Namor, entram em conflito
com o povo da superfície.
“Pantera Negra”, de 2018, trouxe pela primeira vez
um ator preto como protagonista na Marvel desde “Homem de Ferro”,
longa que deu pontapé inicial na saga blockbuster do estúdio dez anos antes, em
2008. Deu espaço também a várias personagens femininas.
Agora, no novo filme, são elas que tentam preencher a lacuna
deixada pela ausência de Boseman. Letitia Wright vive uma Shuri tomada pelo
sentimento de luto. É uma garota carregada de pesar, distante da alegria que a
marcava nos filmes anteriores.
“Amo a Shuri do primeiro filme, ela era um raio de sol.
A família dela a encorajou a ser um gênio cheia de fé. Agora, seguimos a partir
disso. Como ela continuaria se estivesse de coração partido?”, disse a
atriz, em entrevista coletiva.
Apesar de ganhar protagonismo na história e ter seu rosto no
centro dos cartazes de divulgação de “Wakanda para Sempre”, Wright
foi uma pedra no sapato da Marvel durante a produção do longa. Isso porque a
atriz guianesa-britânica virou uma das grandes vozes do movimento antivacina em
Hollywood.
Em dezembro de 2020, Wright publicou nas redes sociais um
vídeo em que um youtuber questionava os efeitos das vacinas contra a Covid-19.
Pouco depois, fontes disseram que a atriz com frequência
fazia comentários antivacina no set de filmagem de “Wakanda para
Sempre”. A Disney, que é dona da Marvel, foi forçada a emitir um
comunicado sobre a vacinação.
A empresa exigiu que funcionários que trabalhassem numa de
suas instalações comprovassem a sua vacinação.
O comportamento de Letitia Wright não comprometeu sua
participação no longa, porém. É Shuri, afinal, quem conduz a trama. Mas não
deixa de ser curioso ver a atriz manifestar opiniões negacionistas ao mesmo
tempo que interpreta uma personagem que fala tanto de morte e família.
Isso sem contar com o fato de que Shuri é vendida como uma
pessoa que domina tecnologia e ciência e que está sempre à frente dos
pesquisadores de fora de Wakanda. A contradição entre Wright e sua personagem,
nesse sentido, é bastante incômoda .
A imagem de “Pantera Negra” só não fica
completamente colada à atriz por causa das personagens Ramonda, Okoye e Nakia,
vividas respectivamente por Angela Bassett, Danai Gurira e Lupita Nyong’o.
São personagens que também mudam por causa da morte de
T’Challa. Nyong’o diz que Nakia, o par romântico do herói, funcionava como uma
espécie de oásis para ele, e agora ela quer fazer o mesmo por Shuri. “Tive
que aprender com a personagem a contornar minha frustração em perder
Chadwick”, afirmou em entrevista coletiva.
Danai Gurira interpreta aqui Okoye, a general implacável das
guerreiras de Wakanda. O novo filme quebra a imagem de bruta da personagem para
expor suas fragilidades. “É crucial que vejamos todas as facetas desses
personagens e que exploremos sua humanidade com caleidoscópios.”
Yasmine Evaristo, pesquisadora e crítica de cinema que vai
dar um curso online sobre “Pantera Negra” no Museu da Imagem e do
Som, o MIS, diz que o novo filme tenta rebater o machismo e racismo da
indústria, mas cutuca as intenções dos estúdios Marvel.
“Precisa ter pessoas negras na direção e na produção,
sabe? A galera que está ganhando grana com cinema ainda não são as pessoas
negras.”
O filme da Marvel não representou uma mudança só para os
filmes de super-heróis. O recente “A Mulher Rei”, com Viola Davis,
assustou a indústria, disse a atriz em entrevistas.
Segundo ela, foram seis anos buscando quem quisesse bancar o
projeto e, não fosse o sucesso de bilheteria de blockbusters como
“Mulher-Maravilha” e “Pantera Negra”, o longa talvez nunca
saísse do papel.
Para além da indústria cinematográfica, a existência de
“Pantera Negra” exerce impacto sobre outras esferas. Evaristo conta
que em 2018 levou crianças de Belo Horizonte para uma exibição do filme.
A pesquisadora ouvia comentários como “olha, aquele
homem do filme, tem o cabelo do meu pai”. Eram frases ditas por garotinhas
pretas que mantinham os olhos pregados enquanto guerreiras com a mesma cor que
a delas derrotavam supervilões.
*
Pantera Negra: Wakanda para Sempre
Produção: EUA, 2022.
Direção: Ryan Coogler.
Com: Angela Bassett, Letitia Wright e Lupita Nyong’o.
Classificação indicativa: 14 anos.
Quando: Em cartaz a partir desta quinta-feira (10)