Filme de Beyoncé constrói espaço seguro para comunidade LGBT

Written by on 22 de dezembro de 2023

Em 1972, quando Aretha Franklin gravou seu histórico álbum “Amazing Grace” no interior de uma igreja batista em Los Angeles, a equipe de filmagem que a acompanhava fez questão de registrar, em esplendor, não só a cantora no altar, mas também as pessoas que reagiam à sua música nos bancos do templo.

As imagens, posteriormente editadas no filme de mesmo nome lançado em 2018 por Alan Elliott e Sydney Pollack, mostram uma comunhão firmada entre artista e público, pacto quase sacro ilustrado por expressões de arrebatamento e deslumbre.

Com o filme “Renaissance”, ainda que mantidas as devidas proporções, Beyoncé faz algo semelhante. Ao incluir cenas das reações da plateia que lotou estádios durante a turnê homônima junto às gravações das performances e às cenas documentais que detalham o processo criativo de seu último álbum, a cantora e diretora constrói um espaço seguro onde a cultura ballroom, notadamente preta e LGBTQIA+, pode se manifestar com liberdade.

Por mais que falte ao longa a precisão da montagem de “Homecoming”, de 2019, já que são visíveis algumas marcas da finalização em tempo recorde -“Renaissance”, afinal, estreia apenas dois meses depois do último show da turnê-, sobra brilho.

“‘Renaissance’ é sobre beleza, alegria e resiliência”, disse a cantora na noite desta quinta, quando apareceu de surpresa na festa de estreia do longa em Salvador, na Bahia.

Além de confirmar as palavras desse discurso, o filme também se mostra uma obra que preza pela coletividade. De modo literal, quando evidencia o número de trabalhadores envolvidos para fazer com que uma turnê desse tamanho aconteça; e figurado, quando homenageia aqueles que ergueram os alicerces da house music -situação representada, por exemplo, pela presença do artista Kevin JZ Prodigy, lenda da cena ballroom americana, e de outros que ajudaram e ajudam a construir essa história.

Nesse rastro, a homenagem alcança o tio da cantora, o famoso “Uncle Jonny” citado na música “Heated”, cujo rosto é apresentado numa foto exibida no telão ao fim do show. Jonny, que cresceu como homem negro e gay nos Estados Unidos da década de 1950, morreu em decorrência de complicações causadas pelo vírus HIV.

Entretanto, no filme, tal reverência se dá pela via da vida, e não da morte. É como se Beyoncé pedisse licença para reverberar o legado de seu tio sem, necessariamente, explicitar o sofrimento de sua partida precoce. Não é que não caiba espaço para o luto; mas sim que existe uma escolha, consciente, de fazer com que a tristeza se transmute em celebração, de ressignificar a saudade em outra coisa.

No fim, para além da cantora que se divide enquanto artista, empresária e mãe, como a própria Beyoncé explicita na narrativa, resta a comunidade. Seja na vida privada da artista, com o marido Jay-Z e os filhos Blue Ivy, Rumi e Sir, presentes em momentos significativos do filme; seja no palco, entre os muitos funcionários que construíram a turnê; seja mesmo fora dele, com as pessoas que dançam sincronizadas na plateia e se engajam em diferentes desafios.

O sentido de comunidade ganha ainda outra projeção quando o registro é levado à experiência coletiva do cinema. Nas sessões lotadas, fãs subvertem o silêncio comumente dedicado à sala escura e participam da turnê a que, pelo menos no Brasil, não puderam comparecer presencialmente. “Renaissance” então se torna um presente, enfim devidamente compartilhado.

RENAISSANCE: UM FILME DE BEYONCÉ

Onde Em cartaz nos cinemas

Classificação 12 anos

Produção Estados Unidos, 2023

Direção Beyoncé

Avaliação ótimo


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