Dia internacional do Jazz: 10 músicas para sentir II

Publicado em 3 de maio de 2023

No último domingo, dia
30 de abril, foi celebrado o dia Internacional do Jazz. Aproveito a ocasião
para seguir com uma lista de músicas do gênero musical, iniciada no texto
anterior “Dia internacional do Jazz: 10 músicas para sentir”.  Quem sabe, caro leitor, essas músicas, entre
uma forte balada, ou uma música suave e terna, interrompam um pouco o dia a dia.
Justamente porque precisamos seguir em frente, é que devemos sentir a música, o
resto “não significa nada” (“It Don’t Mean A Thing”).

“It Don’t Mean A Thing
(If It Ain’t Got That Swing)” é o título de um hino jazzístico composto por Duke
Ellington e gravado em 1932. É um dos símbolos do dançante estilo “swing” e
representa toda variabilidade do músico norte-americano.

Em uma cena do filme
“Cotton Clube” (1984), de Francis Ford Coppola, no backstage do clube os
músicos comentam que “The Duke” estará presente. Esse era o apelido de
Ellington que se apresentou por vários anos no lendário clube de Nova Iorque.

Dia internacional do jazz: 10 músicas para você sentir

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A excitação com a
notícia não era para menos, Ellington já era considerado um dos maiores músicos
do deu tempo e tomado como um “nobre”, por sua elegância e genialidade, no
mainstream do jazz.

Há muitas versões de
“It Don’t Mean A Thing”. Se você quiser pegar o espírito da força do swing
dessa música, ouça a gravação ao vivo de Ella Fitzgerald e Ellington no álbum
“Ella and Duke at the Cote D’Azur”, de 1967. Há algo parecido na apresentação
dos dois, disponível em vídeo, no Ed Sullivan Show em 1965.

Vamos baixar um
pouquinho o tom e nos deixarmos levar pela maviosa voz de Dinah Washington na
famosíssima “What Difference A day Makes”, de 1959. Lenta, compassada, a letra
de Stanley Adams é uma declaração ao ser amado e à beleza da vida que retorna e
afasta o que antes parecia lúgubre e que dissipa a chuva, a tristeza e a
solidão.

É uma enorme injustiça
limitar Dinha Washington a essa canção, suas interpretações são repletas de uma
densidade melódica raramente vista em outras cantoras do gênero. Em “What
Difference…” isso surge, mas é uma parte do que se pode deleitar com o
talento de Washington.

Uma curiosidade (não
gosto de curiosidades, mas aqui é uma certa justiça), a música original, quase
sempre esquecida quando mencionada a versão em inglês, é “Cuando Vuelva a tu
Lado”, de 1934, da compositora espanhola María Grever.

Após ouvir a versão de
Dinah espero que você perceba “que diferença um dia faz” (“What Difference A
day Makes”), ou como se diz em bom português, “que bom que você voltou”.

Sigamos com a pujança
de Lee Morgan e perceba como o trompete é capaz de fazer variar as emoções,
enfatizando-as, espaçando-as, condensando-as. É o que “Sidewinder”, de 1964,
com sua marcante base de piano, nos dá no álbum de mesmo nome.

Álbum considerado umas
das gravações seminais do jazz (veja, por exemplo, a explosão rítmica da faixa
“Totem pole”). O disco tem a inigualável companhia de Joe Henderson no Sax e é
um dos orgulhos da histórica gravadora Blue Note. O sucesso foi estrondoso à
época.

Lee Morgan foi um
músico prodígio não só pela idade que começou a gravar com grandes nomes como
John Coltrane, mas por demonstrar as suas linhas melódicas tocadas com um
perfeccionismo só comparado a outros monstros como Clifford Brown (sua grande
influência).

Seguindo a sina do
jazz, Morgan após um período de crise pessoal, e depois do sucesso da música de
1964, morreria aos 33 anos, vítima de um tiro disparado por sua mulher no
intervalo de um show, em 1972. Mas ele continua no compasso inesquecível dessa
música e no panteão do estilo com esse álbum.

Como não seguimos uma sequência
de importância neste texto, Charlie Parker chega para “bagunçar” a festa. Isso
mesmo, nenhum outro músico foi tão importante na modificação melódica do sax e,
também, do jazz do que Parker.

Essa revolução que
originou o estilo Bebop se tornará icônica na célebre música “Billie’s Bounce”,
de 1945. Ela possui o fraseado que ele imprime nas músicas de mesmo estilo como
“Koko” (verdadeira expressão, com todas suas modificações harmônicas, da
revolução do Bebop).

Quase todos conhecem a
história do mitológico Parker, mas se você, sendo amante ou não de jazz, quiser
ter uma versão em filme da vida do músico, veja o longa-metragem “Bird” (1988),
de Clint Eastwood, uma bela representação da história das quedas e glórias de
Bird (como Parker era conhecido).

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Naquele momento o Bebop
vinha, com um olimpo de músicos como Miles Davis (então com 19 anos), Dizzy
Gillespie, Bud Powell, ocupar o lugar do ritmo Swing e das Big bands.

Na verdade, ocupar o
lugar é um eufemismo, ele veio mesmo foi mudar a história da música.

E mudou. Um dos
símbolos da origem dessa mudança é “Night in Tunisia” (1942), do trompetista
Dizzy Gillespie.

Um dos standards mais
famosos do jazz já demonstrava como ele se modificaria com a introdução de
outros estilos musicais, como novas formas rítmicas, mas sem perder a beleza
que marca essa forma musical e, especialmente, a calma e expansiva música de
Dizzy.

Veja na versão
remasterizada gravada com Charlie Parker. Essa exuberância do trompete de
Gillespie, a marcação perfeita do ritmo e, ao mesmo tempo, a sua variação, em
possibilidades que parecem intermináveis, são algumas das características dessa
canção.

“Nigth in Tunisia” é
obrigatória em toda jam session de jazz que se preze. E, se você for a um clube
onde estiver ocorrendo uma e eles não a tocarem, educadamente, exija-a.

Já escrevi em outra
ocasião sobre a importância de João Gilberto nessa história (“João Gilberto: o
mito”). Aqui estamos diante não apenas dos metais (instrumentos de sopro) que
tanto caracterizam o jazz, mas da introdução definitiva para esse mundo de um
novo ritmo no violão e na inigualável interpretação do músico brasileiro.

Além do sucesso
arrebatador no mundo inteiro de “Garota de Ipanema” (uma das canções mais
executadas na época e, até hoje, uma das mais regravadas), a bela “Corcovado”
(Quiet Nights Of Quiet Stars), que por aqui, foi até tema de abertura de
novela, traz todo o espírito da Bossa nova e conta com um toque magistral do
notável saxofonista Stan Getz.

Repito aqui o que
escrevi: “Nesse aspecto, sua glória internacional, está ligada à música norte-americana.
O álbum “Getz /Gilberto”, de 1969, foi um fenômeno em todos os
sentidos.

Ele consolidou e
expandiu mundialmente a bossa nova. Presente em especiais de TV, em filmes e
séries, a música de espírito carioca, se tornaria uma música-mundo.

O pai da bossa nova
estaria inserido em um circuito musical inaudito para qualquer outro músico
brasileiro, com exceção, à época, e graças à bossa, de Tom Jobim”.

Agora, o exibido (quase
sempre com todos os motivos para isso) Miles Davis chega com os óculos escuros,
enfunando o peito e dizendo pra todo mundo como se deve conduzir a harmonia.

Davis gera polêmica até
hoje, evidentemente. Uns apontam a performance de “Kind of blue” como o seu
melhor, outros não se dobram e bradam o icônico “Round About Midnight”, de
1957.

É nesse que temos a
música “Round Midnight”, uma das mais executadas quando o tema é noite chuvosa,
ruas esfumaçadas, pessoas solitárias e neon piscando nas faixadas de bares.

A música é do homem de
dedos que pareciam baquetas, o aclamado pianista Thelonius Monk. Mas entrou
mesmo para a galeria das versões incomparáveis, com Miles.

Nela, uma introdução do
trompete dominando o espaço, no estilo de Davis, como um som domado,
misterioso, introvertido e solitário. Sim, a alusão é a uma figura que está na
solidão da noite, da cidade, de si mesma.

Vejam nessa
preciosidade que é a versão ao vivo em vídeo com o Quinteto de Miles, em 1967,
em Estocolmo.

Ele já era tão grande
que desse grupo faziam parte ninguém menos que Wayne Shorter (sax tenor) Herbie
Hancock (piano) Ron Carter (baixo) e Tony Williams (bateria).

Aí estão alguns dos
maiores músicos de jazz de todos os tempos, variando o tema, com Miles
retomando-o com uma finalização quase abrupta após as experiências harmônicas
de seus companheiros.

E já que falamos dele,
não há como deixar de lado o homem que, para muitos, virou de cabeça para baixo
o piano no jazz, Herbie Hancock, o embaixador do Dia Internacional do Jazz e,
certamente, um dos mais prolíficos músicos do estilo.

Para se ter uma ideia,
alguns connaisseurs, como Vinicius Mesquita, afirmam que sem ele, talvez, o
“Acid jazz” (uma fusão do jazz com estilos como o funk, a soul music e o disco),
ou até mesmo o Hip hop não teriam existido.

Quer ter uma noção
disso? Escute o V.S.O.P (Very Especial Old Product) que cito aqui como forma
de, tanto homenagear os membros desse grupo, os mesmos do Quinteto de Miles,
com exceção de Freddie Hubbard (trompete), como para percebermos como o estilo
mudou no decorrer do tempo e, com ele, os estilos dos músicos.

Essas mudanças de
época, de tom, de sentido do jazz estão plasmadas, por exemplo, em “Para
Oriente” (1979) do álbum “Live Under the Sky”.

Aí estão os resultados
das várias experiências do jazz com outras possibilidades estilísticas, mas
notem como o piano pulsante de Hancock salta para fora para acentuar sua
dominância da cadência na música. É o embaixador do jazz em seu estado puro.

Pureza é tudo que não
mais existe na versão de “Take ‘a’ train” do elogiadíssimo álbum “Study in
Brown” (1955) do já mencionado trompetista Clifford Brown e do baterista Max
Roach.

Não existe pureza
porque a música é de Duke Ellington e, originalmente, é um swing que imita a
partida de um trem. Há um vídeo de Ellington do filme “Reveille with Beverly”
(1943) no qual sua banda surge dentro de um vagão representando a ideia da
música.

Mas na versão de Brown
e Roach o trem (a música) não só parece ir mais rápido, mas, principalmente,
sua velocidade já não é para dançar, e sim para escutar as possibilidades que o
Hard bop trouxe com a maior aceleração dos andamentos que o bebop,
proporcionando uma intensidade que terá na assinatura dessa música e desse
álbum uma das melhores expressões.

O trem está no começo e
no final da canção, mas ele não embala mais as pessoas como em Duke, ele as
desperta, sacudindo-as.

Digamos que seja final
do dia e você agora pretende estar contemplativo. E, se for para ouvir a canção
seguinte, deve. Exatamente porque trata-se, agora, da representação de um
sublime, mas de um sublime diferente.

No texto anterior,
mencionei Billie Holiday, nesse, a deixarei com vocês na interpretação de uma canção
que, não por acaso, é, e deve, ser muito mais do que isso. Sim, senhoras e
senhores, trata-se de “Strange Fruit”.

Como mencionei
anteriormente (“Billie Holiday, Strange Fruit e 100 anos do Jazz”), “a música
surgiu de um poema de Abel Meeropol sobre os linchamentos de negros que
ocorriam nos Estados Unidos após a Guerra Civil. A inspiração teria vindo de
uma fotografia de uma dessas atrocidades ocorrida em 1930, em Marion, Indiana.
Esse é o tema de Strange Fruit.

Nenhuma versão se
aproxima do que Billie fez. Há um vídeo de Holiday, de 1959, em Londres. Vejam.
Ali, Billie, em seu derradeiro momento, encarna a música e a música a define.

Ali está, não importa
se em sua fase de decadência ou não, diz David Margolick em seu fabuloso
livro ‘Strange Fruit: Billie Holiday e a biografia de uma canção’, ‘a
experiência de ouvir e ver Billie Holiday cantando Strange Fruit: os olhos
fechados, a cabeça jogada para trás, a gardênia de sempre atrás da orelha, o
batom rubi realçando a pele escura, os dedos estalando de leve, as mãos
segurando o microfone como se fosse uma xícara de chá’”.

Como se sabe, o jazz
está profundamente ligado a vários contextos históricos decisivos. Espero que
quando leia este texto possa aproveitar o máximo possível o que o estilo e as
músicas podem proporcionar, e possa fruir, verdadeiramente, os sentidos das
canções. Se isto for atingido, o resto “não significa nada” (“It Don’t Mean A
Thing”).


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