Banalização do termo ‘modelo’ revolta profissionais da moda

Written by on 18 de março de 2025

No universo da moda, onde disciplina, talento, profissionalismo e documentação são exigências, um detalhe chamou atenção e gerou revolta entre modelos, estilistas e fotógrafos: o uso indiscriminado do termo “modelo” para se referir a garotas de programa. O debate ganhou força após a repercussão do caso envolvendo uma acompanhante que esteve com Neymar, e que foi erroneamente chamada de modelo em diversas reportagens.

A indignação tomou conta das redes sociais, e perfis especializados no setor denunciaram a forma equivocada como a profissão vem sendo tratada. “Parem de chamar garota de programa de modelo!” e “Garota de programa não é modelo e modelo não é garota de programa”, estamparam blogs de moda em publicações que viralizaram nas redes sociais.

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“A mulher envolvida no escândalo com o Neymar é garota de programa, mas insistem em chamá-la de modelo. Modelo de onde? Desfile de qual marca? Campanha de qual grife? Ser modelo é uma profissão séria, com regras, documentação e anos de esforço. Não é só ser bonita, tirar foto e cair na mídia por polêmica. Mas parece que, no Brasil, virou um rótulo genérico para glamourizar a fofoca. Se a mulher é garota de programa, então chamem ela pelo que ela realmente é. Mas não joguem no lixo o trabalho de milhares de profissionais que batalham para serem reconhecidos no mercado.”

A publicação recebeu centenas de curtidas, compartilhamentos e comentários, dando origem à campanha digital “Garota de programa não é modelo!”.

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Ser modelo vai além da aparência – a história da profissão

A confusão entre os termos mostra o quanto a profissão de modelo ainda é subestimada e reduzida à estética. No entanto, a história da moda prova que ser modelo vai muito além de simplesmente ter uma aparência bonita.

A carreira de modelo começou a se estruturar no século XIX, quando o estilista inglês Charles Frederick Worth, considerado o pai da alta-costura, decidiu contratar mulheres para desfilarem suas criações para clientes da aristocracia europeia. Foi a primeira vez que roupas foram apresentadas em corpos reais e não apenas em manequins.



A partir da década de 1940, o Brasil começou a dar os primeiros passos no setor, e nomes como Dóris Monteiro e Maria Augusta se destacaram. No entanto, foi nos anos 1990 que o país se tornou uma referência mundial, impulsionado pelo fenômeno das supermodelos, como Gisele Bündchen, Adriana Lima e Alessandra Ambrósio.

Hoje, a profissão exige mais do que apenas beleza: os modelos precisam desenvolver habilidades específicas para passarela, fotografia e publicidade, além de manter um rigoroso compromisso com contratos e diretrizes do mercado.

A revolta do mercado da moda

Para quem atua no ramo, a banalização do termo prejudica não apenas a credibilidade da profissão, mas também a luta constante pelo reconhecimento do trabalho sério dos modelos.

A modelo Cássia Adriane, eleita Miss Supranational Pará 2025, é uma das vozes que se posicionam contra essa banalização. Com mais de cinco anos de experiência no mercado fashion e publicitário, ela destaca a importância de preservar a seriedade da profissão, durante uma entrevista exclusiva ao DOL.

“Eu trabalho como modelo publicitária, fashion e comercial há mais de cinco anos, é o meu sustento e possuo vínculo com diversas empresas de vários segmentos. Acredito que essa confusão de termos pode levar a diversos estigmas e preconceitos, prejudicando a imagem de modelos profissionais, que muitas vezes são descredibilizados.”, afirma Cássia.



A profissional ressalta que, além de ser um mercado competitivo, a moda exige técnica, dedicação e capacitação. “Quando falo que sou modelo, é sempre importante ressaltar e reafirmar meu profissionalismo, minha experiência no mercado e conhecimentos. Esse tipo de acontecimento dificulta cada vez mais nossa valorização como profissionais sérias e capacitadas.”

Para a paraense Fernanda Raika, empreendedora no ramo da moda e modelo em São Paulo, o problema se agrava quando a palavra “modelo” passa a ser associada à prostituição, afetando diretamente a credibilidade da profissão. “Nossa profissão tem capacidade de influenciar e inspirar outras pessoas! Como qualquer outra, exige competência, esforço, foco e capacitação. Banalizar o termo ‘modelo’ relacionando-o à prostituição impacta negativamente toda a indústria da moda.”



Fernanda também aponta que a desvalorização da profissão tem raízes profundas na sociedade. “A falta de valorização e conhecimento da profissão é reflexo de uma série de fatores sociais, culturais e econômicos que reduzem a profissão a uma imagem rasa, sem reconhecer a complexidade do nosso trabalho, a dedicação e as renúncias necessárias para se manter relevante nesse campo altamente competitivo e exigente.”

A modelo Heloisa Silva compara essa banalização a um retrocesso na profissão: “Esse processo desvaloriza o esforço, o profissionalismo e a dedicação necessários para construir uma carreira na área. Além disso, representa um retrocesso, pois reabre espaço para associações pejorativas que a categoria vem combatendo há anos.”



O fotógrafo de moda Lucas Amim, que já clicou editoriais para grandes marcas, reforça que a questão vai além da terminologia e pode afetar o futuro da profissão. “A moda é uma indústria séria, que envolve agências, contratos, desfiles e campanhas, e usar o termo ‘modelo’ de forma equivocada acaba distorcendo o que realmente significa ser uma profissional da área.”



Para Lucas, ser modelo exige muito mais do que simplesmente posar para uma câmera. “A fotografia de moda, assim como o trabalho das modelos, exige técnica, estudo e esforço para entregar um resultado de alto nível. Misturar esses conceitos pode prejudicar a credibilidade da profissão e até afetar a forma como o público e o mercado enxergam os profissionais da moda.”

O booker André Luiz Bernardes, responsável pelo gerenciamento de carreiras em uma grande agência de São Paulo, destacou os prejuízos dessa banalização.

“Modelo é uma profissão. Quando dizemos que alguém trabalha como modelo, significa que essa pessoa empresta sua imagem para que uma marca ou empresa possa vender um produto, associando-o ao seu estilo de vida e aparência. Se começamos a chamar de modelos pessoas que atuam em áreas completamente diferentes, estamos distorcendo o significado da profissão e misturando categorias que não têm relação”, afirmou Bernardes.



O booker ressaltou que essa confusão já impacta o mercado, criando barreiras para novos talentos e dificultando a entrada de profissionais sérios na área. “Hoje, até o termo ‘job’, que usamos para nos referir a trabalhos de modelo, já foi associado a garotas e garotos de programa. Isso gera receio em pais que desejam colocar seus filhos na profissão e até em adultos que pensam em ingressar nesse meio. A banalização está afetando diretamente a credibilidade do mercado da moda.”

Segundo ele, essa mistura de conceitos não apenas prejudica a imagem dos modelos profissionais, mas também pode afastar oportunidades e investidores da indústria. “Quando a mídia insiste em usar o termo ‘modelo’ para se referir a algo que não tem ligação com a profissão, isso desvaloriza todo um mercado que exige disciplina, estudo e dedicação.”

Carta de repúdio

Anderson Baumgartner, diretor de uma importante agência de moda de São Paulo, responsável por algumas das maiores supermodelos do país, repudiou o uso indevido do termo.

“Para ser modelo profissional, é preciso ter registro, atuar em campanhas, editoriais, desfiles e catálogos. Essa é uma profissão séria, que exige dedicação e esforço”, afirmou Anderson Baumgartner.

O empresário ressaltou que essa confusão não ocorre com outras profissões: “Ninguém chama um professor de arquiteto ou um advogado de engenheiro. Então, por que insistem em associar modelos a garotas de programa? São áreas completamente diferentes e é preciso respeitar essa distinção.”



Além do prejuízo para a credibilidade do setor, a banalização do termo reforça antigos estigmas. “No passado, muitas mães tinham receio de permitir que suas filhas seguissem carreira na moda justamente por esse tipo de confusão. Trabalhamos muito para profissionalizar e valorizar a categoria, e não podemos permitir que esse erro continue”, destacou Baumgartner.

A indústria da moda movimenta bilhões e gera oportunidades para modelos que dedicam anos de esforço à profissão. “É um desserviço! As palavras importam, e cada profissão deve ser chamada pelo nome correto”, finalizou o diretor.

O peso das palavras

A discussão vai além da moda e levanta uma questão essencial: o impacto das palavras e a responsabilidade ao tratar profissões de forma equivocada. Enquanto o debate segue acalorado, a campanha “Garota de programa não é modelo!” continua crescendo, trazendo à tona uma reflexão importante sobre respeito e valorização profissional.


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