Aline Borges diz que durante 40 anos se enxergou como branca

Written by on 16 de setembro de 2022

A atriz Aline Borges ganhou notoriedade do público e visibilidade na carreira por meio de sua personagem Zuleica, de Pantanal. Aline conta que muitos fãs pensam que ela começou a atuar recentemente e desconhecem a trajetória de 27 anos na carreira.

“Estou vivendo um momento que é muito importante. Um momento de ascensão dentro de uma trajetória que vem de muito tempo. Eu tenho 27 anos de carreira. Nunca tinha tido a oportunidade que eu estou tendo agora com Pantanal. Tem gente que está achando que eu estou começando agora. ‘Nossa, onde estava essa atriz?’. Estava no teatro. Estava plantando o meu caminho e fazendo muitas outras coisas. É a primeira vez que eu tenho, dentro desses 27 anos de carreira, uma oportunidade de mostrar o meu trabalho”, contou ela à Quem.

Na primeira versão da novela em 1990, a amante do vilão Tenório era interpretada por uma mulher branca (Rosamaria Murtinho). A escolha para interpretá-la trouxe novas nuances para o papel, diz Aline.

“A gente vive em um país extremamente racista onde a gente precisa lutar muito para ver pessoas pretas na televisão atuando ou ocupando espaço de poder em qualquer lugar na sociedade. Eu sou uma mulher preta que não tem uma pele retinta. Então, o meu prejuízo social nunca vai se comparar ao de uma mulher preta retinta. Sou uma mulher preta que representa várias outras mulheres pretas, mas as oportunidades para mim são maiores do que para uma mulher preta retina”, ressalta.

Aline hoje aos 47 anos explica que por muitos anos não se entendia como uma mulher preta. “Só estou ocupando esse espaço agora porque eu me reconheci como mulher preta. Por não ter a pele escura, a gente se distancia da nossa negritude, a gente passa a acreditar que a gente não tem a pele preta. Muita gente vai falar, ‘você nem é preta, nem tem a pele escura assim’. Eu achei durante 40 anos da minha vida que eu era uma mulher branca e que teria o mesmo privilégio de uma pessoa branca. Só que não tive porque eu não sou branca. Eu ficava totalmente sem saber quem eu era, ficava distante da minha identidade e isso não me dava força”, explica.

A atriz se conscientizou após os 40 anos, em um espetáculo de teatro que abordava o racismo: “Foi durante uma peça de teatro chamada Contos Negreiros do Brasil, do Marcelino Freire, que me entendi como uma mulher preta. Era uma peça que trazia números e estatísticas sobre a real situação dos pretos no Brasil. A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. A gente ouve, mas não se dá conta dessa dimensão e naturaliza isso”.

“Quando eu fui chamada para fazer essa peça, pensei: ‘Como assim? Eu não sou eu sou preta’. Fiquei confusa na hora, mas fui e chegando lá, me identifiquei com todas aquelas pessoas. É como se eu tivesse voltado às minhas origens. Aquele era o meu lugar. Mas ainda estava confusa porque eu não me reconhecia como mulher preta. Comecei a fazer a leitura do texto e pediram para que cada ator escrevesse um monólogo sobre a própria vida do ponto de vista de uma mulher preta ou como um homem preto. Pensei: ‘Meu Deus, agora o que eu vou falar? Eu não sou preta’. Entrei no meu quarto, peguei uma caneta e um papel e comecei a escrever sobre a minha vida desde quando eu nasci”. 

Hoje a atriz se alegra por ver mais atores pretos ocupando espaços na TV, mas ressalta que ainda há muito espaço a ser ocupado. “É importantíssimo ter pessoas pretas em todos os espaços. Eu não me reconhecia na TV. Meninas pretas e meninos pretos vão assistir TV e precisam se ver não só nos papéis que a vida inteira colocaram a gente, o de empregada, copeira e faxineira. Eles precisam se ver presidente, médicos… É isso que a gente precisa ver, essa transformação. Ter essa família Gonçalves em Pantanal é muito importante, mas ainda é apenas um núcleo. Precisamos ocupar mais espaços”, disse ela à publicação.


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