A cultura do carimbó levanta pautas sociais em Marapanim
Written by on 6 de dezembro de 2022
O Festival de Carimbó realizado em Marapanim, no último final de semana, mostrou mais uma vez que o coração do povo marapaniense bate no ritmo do curimbó – um dos principais instrumentos que ajudam a embalar esta manifestação cultural tida como patrimônio do Brasil desde 2014.
O evento, que não foi realizado em 2020 e 2021 em virtude do período mais crítico da pandemia de covid-19, voltou com força e trouxe como uma tema o protagonismo das mulheres para manter viva a cultura do carimbó que por décadas predominou com certo patriarcal.
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Este ano a única competição que teve no festival foi a escolha da “Sereia do Carimbó”, que é como são chamadas as “misses” que dançam para defender seus grupos. Não houve disputa para escolher a melhor composição, nem a melhor coreografia. Esta decisão foi tomada por meio de uma votação entre os representantes e mestres dos grupos de carimbó.
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No total, o município tem catalogados 42 grupos de carimbó. A maioria com sedes em pequenos vilarejos. O “Sereia do Mar”, fundado em 1994, na comunidade rural de Vila Silva, é um dos primeiros a ser formado exclusivamente por mulheres e hoje é liderado por Raimunda Freire – a Mestra Bigica, que foi uma das homenageadas pelo Festival.
Ela compartilhou a exaltação com todas as demais mulheres do grupo e fez uma menção honrosa à mãe dela, com quem aprendeu muito sobre o carimbó. “Eu cresci no meio do carimbó, acompanhando o meu pai e meus irmãos que tinham um grupo. Um dia eu precisei do grupo deles para tocar e eles não puderam se apresentar. Era dia de futebol. Então tive a ideia de fundar um grupo só com mulheres. O papai e os meus irmãos ensinaram a gente (ela e as irmãs) tocar os instrumentos”, lembrou mestre Bigica.
O Sereia do Mar já tem CD lançado com 12 músicas autorais e estão trabalhando para gravar um novo, já com músicas inéditas, compostas por mestre Bigica. A irmã dela, Creusa Freire, é a maior incentivadora e parceira para fazer o grupo crescer e se perpetuar pelas próximas gerações.
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Além da liderança no grupo de carimbó, Bigica e Creuza comandam as tarefas no centro de produção de farinha da família. Vale lembrar que a agricultura familiar é a principal atividade econômica em Vila Silva. “Aqui, de dia, a gente lida com a roça, mas de noite a gente vai para o nosso centro cultural para ensaiar carimbó. Também ensinamos o que a gente sabe para as crianças e jovens que querem aprender a tocar, dançar”, diz Creusa.
Questionada se é difícil aprender a tocar o curimbó, ela sorri dizendo que tem homens e mulheres que não acertam o ritmo. “O carimbó está dentro de todos nós, mas uns tem vocação para os instrumentos de sopro, outros para a maraca, para o tambor e para o curimbó. O segredo para aprender é gostar e saber viver o carimbó”, destaca a instrumentista, que se orgulha ao lembrar que aprendeu o que sabe com a mãe.
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O grupo Sereia do Mar é um dos poucos que conta com um centro cultural próprio (alguns chamam de barracão). “A gente quer transformar o centro cultural num grande espaço de aprendizagem, ensinando música, artesanato, costura e produção de instrumentos. Queremos ensinar os nossos filhos e netos para manter viva a cultura do Carimbó e repassá-lo de geração a geração como sempre ocorreu”, projetou.
Hoje, os netos de Bigica já ensaiam no curimbó, um dos principais instrumentos para se tocar o carimbó. Os meninos são chamados carinhosamente de “botos” numa espécie de trocadilho por serem os únicos do sexo masculino a participar das rodas de carimbó.
Lugar de fala
Amanda Rabelo lidera o grupo de mulheres “As boiunas do Carimbó”, cuja maioria das participantes são mulheres da comunidade de Vista Alegre, área ribeirinha de Marapanim. Ela acompanha a trajetória de mestre Bigica e cumprimentou a organização do Festival por terem dado visibilidade à atuação das mulheres na cultura do carimbó.
“A mulher sempre esteve presente ativamente na realização dos festivais e nas rodas de carimbó, que são realizadas praticamente todos os finais de semana nos vilarejos, nas comunidades e na própria sede de Marapanim”, pontuou.
“São elas que organizam os bingos para conseguir fundos para os festivais nas comunidades. A nossa função não é só costurar e dançar. A gente participa dos festivais tocando o curimbó e cantando”, destacou Amanda Rabelo.
Dança
Quando Eduardo Paiva entrou para o grupo de carimbó Japiim, tinha apenas 16 anos de idade. Ingressou como bailarino, mas já sabia os passos da dança. “Acho que quem nasce em Marapanim aprende a dançar carimbó assim que aprende a andar. É difícil não ser contagiado pela batida, pelo ritmo”, comentou.
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Hoje, aos 29 anos de idade, Eduardo é o coreógrafo, estilista e o responsável pelo grupo de dança do Japiim. Atividades que desenvolve pelo prazer de repassar aos outros o conhecimento que adquiriu com a cultura do carimbó.
“As crianças já participam dos ensaios, dançando, outros tocando instrumentos. A gente tem nos nossos mestres de carimbó, músicos, artesãos uma fonte riquíssima de conhecimento”, ressaltou.
Mestre Mário, um dos dirigentes do Japiim, é uma das fontes citadas por Eduardo. Com dezenas de composições, o mestre canta a natureza, a biodiversidade, o sentimento, o cotidiano da região e as belezas de Marapanim.
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“O festival de carimbó, sem o formato tradicional, não é o mesmo. Porém, a gente precisa respeitar a decisão da maioria e exaltar essa nossa cultura, que é única. Ano que vem estaremos aqui novamente, com canções inéditas, grupo de dança e sereia prontos para disputar”, comentou sobre o evento.
Arte que vira instrumento de som
Toras de madeira, panelas, fios de nylon e outros itens viram arte e instrumentos nas mãos de seu Zeca Negrão. Aos 74 anos de idade, o artista plástico é um dos principais responsáveis pela confecção dos instrumentos utilizados pelos grupos de carimbó de Marapanim.
“Eu comecei como artesão que trabalha com madeira. Aos poucos, fui aprimorando o meu conhecimento e as técnicas para a cultura do carimbó”, comentou. No ateliê dele, que funciona no pátio da casa dele, várias obras de artes e instrumentos estão em exposição e à venda. São tambores, milheiros, maracas, curimbós e banjo.
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Logo na entrada, um quadro dedicado ao Mestre Lucindo, um dos maiores nomes do carimbó paraense, chama a atenção. “Eu tenho uma composição inspirada no mestre”, apontou Zeca.
Quando questionado o que difere os instrumentos de carimbó, o artista responde que a maioria das peças precisam reproduzir sons similares aos da natureza. “Tenho um banjo confeccionado a partir do reaproveitamento de panela. O som dele não é o mesmo do banjo feito em madeira. Tem ainda instrumentos de corda feitos a partir da cuia”, exemplificou.
Zeca aprendeu de forma autodidata as técnicas para produzir os instrumentos e também foi desta forma que ele aprendeu a tocar.
Ontem (5), Marapanim celebrou o Dia Municipal do Carimbó. O feriado local deste ano contou com uma atmosfera de “ressaca” já que foi antecedido por três dias de festival.