Pinóquio, de Del Toro, dá chapéu na Disney e é grande acerto
Written by on 7 de dezembro de 2022
Poucos meses após o lançamento no Disney Plus da
versão de “Pinóquio” dirigida -ou pior, cometida- pelo outrora
competente Robert Zemeckis, surge esta versão assinada por Guillermo del Toro
para a Netflix.
O filme tem crédito de direção também para Mark
Gustafson. Para garantir a autoria, Del Toro, também o produtor, coloca seu
nome no título. Cada época tem o Fellini que merece, mas é fato que sua marca é
bem evidente por todo o filme.
Como se podia esperar do diretor que assinou
“Hellboy”, em 2004, e “O Labirinto do Fauno”, em 2006, sua
visão é mais adulta e sombria que a de Zemeckis, o que faz com que seu
“Pinóquio” esteja mais distante da adaptação original de 1940 e mais
próxima da melhor adaptação feita até hoje, a de Luigi Comencini em 1972.
Isto a faz, consequentemente, ficar mais próxima,
em tom e fidelidade, à história original de Carlo Collodi (1826-1890). Até
mesmo no traço, mais passível de transmitir tanto uma paz infantil quanto a
gravidade decadentista do fascismo.
A ambientação da história na Itália de Mussollini,
por um lado, enfraquece esteticamente o novo filme, que se torna mais óbvio,
como numa cena de chacota com “Il Duce”. Ao mesmo tempo o faz ser uma
importante voz de resistência ao avanço da extrema direita no mundo.
Há, por exemplo, a ideia da manipulação de mentes
ingênuas por regimes totalitários. Pinóquio, mais do que o novo filho de
Gepeto, torna-se uma máquina de guerra por ter vida eterna. Mais do que um
menino de madeira que ganha vida pelo feitiço de uma fada, torna-se ao mesmo
tempo um exemplo de rebeldia contra a autoridade paternal e uma marionete
pronta para ser manipulada.
Há ainda uma maior atração pelos aspectos
monstruosos, tanto nas figuras mais realistas como nas mais fantásticas, como a
fada azul e sua irmã das profundezas, num nível que pode torná-lo mais
interessante para adultos, embora sem perder o encanto infantojuvenil.
O grilo falante, que recebe a voz de Ewan McGregor,
parece muito mais um inseto do que sua versão bonitinha e barrigudinha da
Disney. Procurando uma árvore para chamar de lar, ele encontra justamente a que
vai servir para Gepeto fazer seu boneco. Logo, o grilo faz morada dentro do
peito de Pinóquio.
O babuíno Spazziatura, curiosamente dublado por
Cate Blanchett, parece um gremlin, o que talvez seja uma homenagem do
diretor-produtor ao filme de Joe Dante. É um personagem interessante que se
torna mais nuançado conforme a trama progride, tendo um papel essencial na
aventura.
Ele é subordinado ao Conde Volpe, o empresário picareta
vê em Pinóquio uma oportunidade de enriquecer. A voz de Christoph Waltz dá a
esse personagem uma espessura interessante, tornando-o uma espécie de vilão
carismático que Hitchcock aprovaria.
Essas escolhas se mostram acertadas e o filme
jamais permite que seus momentos baixos sejam predominantes. A força na
construção dos personagens impõe respeito a uma trama que recebe no geral
modificações interessantes, mesmo quando sob o risco de facilidade nas soluções
dramáticas.
De todas as adaptações, esta é a que melhor acerta
em alguns momentos essenciais da trama. O da baleia, por exemplo, que é
geralmente onde as outras patinam, tem um tratamento justo na aventura e no
drama, ajudando a fazer do clímax um momento forte do filme, ao contrário dos
clímaxes meio frouxos das outras versões, incluindo a de Comencini.
Por tudo isso podemos dizer que
“Pinóquio” é um dos maiores acertos da carreira de Guillermo del
Toro, um daqueles momentos em que reconhecemos sua sensibilidade mesmo por trás
dos traços de uma animação. Na batalha do streaming, o diretor de
“Hellboy” dá um chapéu na Disney.
PINÓQUIO POR GUILLERMO DEL TORO
Avaliação Muito Bom
Onde Netflix
Classificação 12 anos
Elenco Ewan McGregor, Cate Blanchett, David Bradley
Produção EUA/México/França, 2021
Direção Guillermo del Toro, Mark Gustafson