“Fim cruel”: mãe fala da saudade da filha e cobra Justiça

Written by on 19 de outubro de 2022

A saudade que Fernanda Monteiro sente da filha Ananda Luiza Barreto da Silva, de 18 anos, é imensurável um mês após o naufrágio da lancha Dona Lourdes II, que ocorreu no dia 8 de setembro, nas proximidades da ilha de Cotijuba, em Belém.

A jovem e o pai dela, ex-marido de Fernanda, José Luís Rodrigues da Silva, mais conhecido como “Zé Luís”, de 63 anos, foram duas das 23 vítimas da tragédia. Foram três dias em busca de notícias sobre pai e filha. Os corpos deles foram encontrados e reconhecidos dois dias após a embarcação afundar.

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Ananda Luiza era caloura do curso de Engenharia Florestal, na Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), e havia se mudado recentemente para Belém junto com a mãe.

“Os sonhos da Ananda não se realizaram. O emprego que eu estava buscando aqui em Belém não aconteceu. E agora eu não sei o que fazer. É como se tivesse perdido a graça. Até as roupas que eu vendia, não sinto mais vontade de nada. Parece um jogo que, quando tudo está se encaixando, estava tudo dando certo, bagunçou. A Ananda era uma filha maravilhosa. Uma menina que estava comigo para tudo. Era minha amiga. Todo dia eu abraçava, dizia que amava. Quando ela me via triste, fazia qualquer coisa para me ver bem. Não tinha raiva de ninguém, nunca desejou mal para ninguém. Aqui na terra, a minha filha foi um ser humano incrível. Eu não sei porque ela teve um fim assim tão cruel”, questionou Fernanda, ao lado do filho Denilson Barreto e do advogado criminalista Marco Pina, que a defende no processo que investiga o naufrágio.

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Fernanda lamenta a espera pela filha, que nunca mais vai chegar. “É um sentimento angustiante que eu tenho. É muito dolorido. A gente estava há um mês aqui em Belém. O sonho da Ananda era ingressar na faculdade. E ela conseguiu. As aulas ficaram para iniciar no segundo semestre. Desde junho, a gente começou a procurar casa. Eu não queria um local muito afastado para ela não sofrer dentro de ônibus. Eu queria facilitar a vida dela. Sempre fiz de tudo para a minha filha não passar por tanto sofrimento. Nunca imaginei que isso fosse acontecer, até porque eu preparava ela para me perder. Eu nunca me preparei para perdê-la”, lamentou.

“Esse homem (Marcos Oliveira) não tinha amor no coração, porque a pessoa quando ama, ela cuida e protege. A lancha dele vinha apresentando problemas e ele pensava só no financeiro. Em nenhum momento ele quis consertar a lancha. Tem uma senhora que foi na minha casa, que conhece o senhor que pilotava essa lancha. Ela relatou que, no dia, não deu para ele viajar e ele falou para esse Marcos que a lancha não tinha condições de viajar. Ele (Marcos) disse que ia fazer a viagem e fez. Ele não teve amor por ninguém. Deus testou ele até o último minuto. Quem viaja de Salvaterra para Belém sabe que é a coisa mais difícil dar área no telefone. E nesse dia estava dando área e ele não pediu ajuda para ninguém que ele deveria ter pedido”, defendeu Fernanda.

Ananda teve chance de se salvar

Sobreviventes do naufrágio relataram que Ananda Luiza iria pular da lancha, mas retornou para ajudar o pai e ambos acabaram ficando presos dentro da embarcação. Fernanda disse que, de acordo com pessoas que estavam na lancha e conseguiram se salvar, Ananda estava muito nervosa.

“Quando eu soube, pedi muito a Deus para que o pai dela tivesse alguma atitude, porque ele era uma pessoa muito nervosa também. Eu pedi para que ele tivesse coragem para se salvar e ajudar a Ananda. Mas ele travou. A Ananda estava de colete, só que o pai dela travou na cadeira. Acho que ele passou mal, infartou. E aí ela voltou”, contou, enquanto carregava no colo o cachorro que Ananda tinha como filho.

O dia do naufrágio

Fernanda, que estava em Belém enquanto Ananda viajava saindo de Salvaterra, relembrou daquele dia 8 de setembro, uma quinta-feira, dia da tragédia. “Eu mandei mensagem e vi que chegou nela. Estava dando área, porque geralmente quem viaja de lá para cá quase não dá área no telefone. É muito difícil. Já dá área quando se aproxima daqui de Belém. Então, naquele dia, ela não respondeu. E já estava acontecendo (o naufrágio). Ela não gostava de me ver triste, preocupada. Acredito que ela não quis me desesperar e não me respondeu, achando que já ia ser resolvido. Ela visualizou as mensagens, mas não respondeu”, relembrou Fernanda.

No dia do naufrágio, outros parentes de Ananda também viajaram com destino a Belém, mas em outra embarcação. E no horário em que todos já deveriam ter desembarcado na capital paraense, foi através de uma outra familiar que Fernanda ficou sabendo do ocorrido.

“Minha prima mandou mensagem perguntando se todos já tinham chegado. Nisso, o meu filho já tinha saído para o Terminal Hidroviário para ir buscar a mamãe com a minha irmã que já estavam lá. E aí só estava faltando a Ananda e o pai dela chegarem. Daí a minha prima falou: ‘Graças a Deus que já chegaram, porque tem uma lancha que está dando problema, está entrando água’. Eu me desesperei quando ela falou isso. Perguntei que lancha era essa e ela me disse que era a qual saiu de Camarazinho. Eu disse que a Ananda estava nessa lancha. Entrei em desespero. A minha prima me pediu calma, porque ela tinha visto em um grupo que já estava sendo resolvido”, relembrou Fernanda.

“Eu comecei a chorar por estarem vindo em segurança. Continuei fazendo a comida. Mandei mensagem para o meu filho perguntando porque estavam demorando. Nada de chegar. Perguntei o que estava acontecendo. Depois ele me disse que estavam indo para Icoaraci, que a lancha encostou lá. Aí foi que ele já me respondeu de Icoaraci dizendo que estava indo para Cotijuba. Nessas alturas enviaram um vídeo para mim, das pessoas desesperadas numa praia. Eu entrei em desespero também. A partir daí, o meu filho pediu para eu não acessar mais rede social, não aceitar ligação, pediu para eu falar somente com ele, porque ele iria me manter informada”, afirmou.

Omissão de socorro

Denilson Barreto relata que, quando chegou em Icoaraci, alguns familiares de passageiros informaram que a lancha havia virado e os sobreviventes estavam sendo levados para Cotijuba.

“Foi então que eu e minha tia atravessamos, por volta de onze horas da manhã, na esperança de encontrar todos vivos, encontrar a minha irmã, o pai dela. Quando nós chegamos em Cotijuba, fomos num posto de saúde, procuramos e não achamos. Fomos para a Escola Bosque e também nada. Nos deslocamos para a praia Funda, onde já tinha encerrado o resgate dos que sobreviveram e remoção dos corpos. A gente ficou lá até às seis da tarde. Enquanto isso, nós conversamos com sobreviventes”, contou.

“Conversamos com duas meninas que conseguiram se salvar porque colocaram o colete e quebraram a janela. O colete era furado, rasgado e as pessoas tiveram que tirar porque mais estava ajudando a afundar do que flutuar. O que as pessoas falavam lá é que, quando começou a entrar água, ele (Marcos Oliveira) falava que não era para ninguém colocar o colete porque ia ficar tudo bem. E, quando a lancha virou, ele foi um dos primeiros a pular na água com a esposa”, relatou Denilson Barreto, irmão de Ananda.


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